domingo, 22 de abril de 2018

Namorados

Foi neste quarto. Exatamente neste quarto.
Você está doido.
Aposto o que você quiser.
O quarto estaria o mesmo, tanto tempo depois?
Algumas coisas mudaram, mas olha a vista. A vista é a mesma.
Como você sabe? A última coisa que queria fazer, naquele dia, era olhar a vista.
Acho que eu estou me lembrando até do número. Era o 703. Tenho certeza.
Tá sonhando.
Lembra que você trouxe uma sacola com pijama? Achei aquilo maravilhoso. Em vez de uma camisola, ou de nada, um pijama de flanela azul.
Que no fim eu nem usei.
Tomamos banho juntos, lembra? Antes e depois.
Foi a primeira vez que vi você nu. E quis me casar assim mesmo.
Olha o banheiro. Igualzinho. Era o 703!
Que ideia, vir para o mesmo hotel, tantos anos depois...
E acabar no mesmo quarto! O que você está fazendo?
Ligando pra casa. Pra ver se está tudo em ordem.
Não vá dizer onde nós estamos.
Vou. Vou dizer “Olha, seu pai quis passar o Dia dos Namorados no mesmo hotel em que dormimos juntos pela primeira vez”.
Você trouxe os meus remédios?
Trouxe. Estão na sacola, junto com os meus. Aliás, na sacola só tem remédios.
Mais tarde:
Ela: — Você não vem pra cama?
Ele: — Já vou. Estou olhando a vista.
Luís Fernando Veríssimo, in Amor veríssimo

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