sábado, 20 de janeiro de 2018

O subsolo - 6

Ah, se eu não fizesse nada unicamente por preguiça! Meu Deus, como eu me respeitaria! E me respeitaria precisamente porque teria a capacidade de possuir ao menos a preguiça; pelo menos eu teria uma característica quase positiva, que eu mesmo teria a certeza de possuir. Pergunta: quem é ele? Resposta: um preguiçoso. Seria mais do que agradável ouvir tal coisa a meu respeito. Mostraria que fui definido positivamente, que há o que dizer sobre mim. “Um preguiçoso!” – isto é de fato um título, uma função, é uma carreira, senhores. Não brinquem com isso, é a pura verdade. Eu seria, então, por direito, membro do clube mais importante, e minha única ocupação seria passar todo o tempo me respeitando. Conheci um senhor que toda a sua vida se orgulhou de ser entendido em Laffittes. Para ele, isso era uma vantagem e uma qualidade positiva, e nunca duvidava de si mesmo. Morreu com a consciência não apenas tranquila, mas até mesmo triunfante, e com toda razão. Eu poderia escolher uma carreira: preguiçoso e comilão, mas não um comilão qualquer, e sim um que tivesse sensibilidade para tudo que é belo e sublime. Que lhes parece? Sonho com isso há muito tempo. O tal “belo e sublime” pesa muito na minha nuca agora, aos quarenta anos, mas naquela época seria diferente! Eu teria encontrado imediatamente uma atividade correspondente, como brindar a tudo que é belo e sublime. Não perderia nenhuma oportunidade de começar por verter uma lágrima dentro da minha taça e depois bebê-la à saúde de tudo que é belo e sublime. Eu transformaria tudo que há no mundo em belo e sublime, encontraria o belo e o sublime até mesmo nas coisas mais horríveis, nas piores e mais indiscutíveis porcarias. Ficaria lacrimoso como uma esponja molhada. Um pintor, por exemplo, pintou um quadro de Gay. Imediatamente eu beberia à saúde do pintor que pintou o quadro de Gay, porque amaria tudo que é belo e sublime. Um autor escreveu “como apraz a cada um” e imediatamente eu beberia à saúde de “cada um”, porque amaria tudo que é belo e sublime. Exigiria respeito por isso, perseguiria quem não me respeitasse. Viveria tranquilo, morreria solenemente – ah!, como seria formidável, uma verdadeira maravilha! Arrumaria uma bela pança, um queixo triplo, um nariz vermelho, e todos os que cruzassem comigo diriam: “Eis um homem de mérito! Isto é que é um homem de verdade!”. Digam os senhores o que quiserem, mas é superagradável ouvir coisas assim neste nosso século tão negativo.
Dostoievski, in Notas do subsolo

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