segunda-feira, 20 de novembro de 2017

O teatro


Os jogadores atuam, com as pernas, numa representação destinada a um público de milhares ou milhões de fervorosos que assistem, das arquibancadas ou de suas casas, com o coração nas mãos. Quem escreve a peça? O técnico? A obra zomba do autor. Seu desenrolar segue o rumo do humor e da habilidade dos atores e, no final, depende da sorte, que sopra, como o vento, para onde quiser. Por isso, o desenlace é sempre um mistério, para os espectadores e também para os protagonistas, salvo nos casos de suborno ou de alguma outra fatalidade do destino.
Quantos teatros existem no grande teatro do futebol? Quantos cenários cabem no retângulo de grama verde? Nem todos os jogadores atuam somente com as pernas.
Há atores magistrais na arte de atormentar o próximo: o jogador põe uma máscara de santo incapaz de matar uma mosca e então cospe, insulta, empurra, joga terra nos olhos do adversário, dá-lhe uma cotovelada certeira no queixo, afunda o cotovelo em suas costelas, puxa seu cabelo ou a camiseta, pisa em um pé parado ou em uma mão quando está caído, e faz tudo isso quando o juiz está de costas ou quando o bandeirinha olha as nuvens que passam.
Há atores memoráveis na arte de levar vantagem: o jogador coloca a máscara do pobre infeliz que parece imbecil mas é idiota e então cobra a falta, tiro direto ou lateral, várias léguas além do ponto indicado pelo árbitro. Quando tem que formar barreira, desliza do lugar marcado, bem devagarinho, sem levantar os pés, até que o tapete mágico o deposita em cima do jogador que vai chutar a bola.
Há atores insuperáveis na arte de ganhar tempo: o jogador coloca a máscara do mártir que acaba de ser crucificado, e então rola em agonia, agarrando o joelho ou a cabeça, e fica estendido na grama. Passam os minutos. Em ritmo de tartaruga chega o massagista, o mão-santa, gordo suado, cheirando a linimento, com a toalha no pescoço, o cantil numa mão e na outra alguma poção infalível. E passam as horas e os anos, até que o juiz manda tirar aquele cadáver do campo. E então, subitamente, o jogador dá um pulo, e ocorre o milagre da ressurreição.
Eduardo Galeano, in Futebol ao sol e à sombra

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