segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Fala

Kierkegaard, filósofo dinamarquês, o primeiro que li, observou que toda fala contém duas coisas. Primeiro, aquilo que se diz, a mensagem que devo comunicar. Segundo, uma música, um jeito de falar, andamento, os pianíssimos, os fortíssimos. Para ele, é na música da fala que nós moramos, é ali que se encontra a nossa alma. Uma mesma mensagem pode ser dita ao som dos tambores ou do oboé. Lendo Kierkegaard aprendi isso intelectualmente. Na minha prática de psicanalista aprendi isso existencialmente. Eu tinha uma paciente que falava num dia em tom maior, no outro, em tom menor. Só de ouvir a música da sua fala, sem prestar atenção naquilo que ela estava dizendo, eu sabia como estava a sua alma. (É importante que um terapeuta não preste muita atenção naquilo que o seu cliente diz, a fim de ouvir aquilo que ele não diz...) Moramos na música das palavras. Somos amados não pelo que dizemos, mas pela música com que o dizemos. Preste atenção na sua música. Se a sua música não tiver pausas mansas, isso é sinal de que você é um chato que não deixa o outro falar nem ouve o que ele tem para dizer. Deveria haver uma terapia que ajudasse as pessoas a mudar a música de sua fala. Se conseguir mudar a música da sua fala, você ficará diferente. Isso é especialmente importante para os professores, para os pais, para os amantes... Só por curiosidade, ligue a sua televisão num programa em que algum deputado esteja discursando. Como eles gritam e sacodem o dedo! São tão eloquentes... Quando você for procurar um candidato a qualquer cargo eletivo, não preste atenção no que ele diz, porque todos eles dizem a mesma coisa. Preste atenção na música da sua fala…
Rubem Alves, in Ostra feliz não faz pérola

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