sábado, 23 de setembro de 2017

Consciência

A consciência, a velha e boa consciência — ouço algum leitor dizer em tom triunfante: ele conversa com sua consciência! Vangloria-se de manter um diário para conversar com sua consciência! — Mas não é bem assim. Na realidade, o outro, para quem falamos, muda constantemente de papel. É verdade que pode, também, aparecer como consciência, e sou-lhe muito grato por isso, pois os outros papéis facilitam-nos demais as coisas: parece haver nos homens uma volúpia por se deixarem persuadir. Contudo, esse outro nem sempre é uma consciência. Algumas vezes a consciência sou eu , e falo a esse outro num tom de desespero e autoacusação, com uma veemência que eu não desejaria a ninguém. Nesses momentos, porém, o interlocutor se transforma num consolador perspicaz, que sabe exatamente onde me excedo. Ele vê que, como poeta, frequentemente me atribuo maldades e posturas malignas que absolutamente não são minhas próprias. Faz-me lembrar que, afinal de contas, tudo depende daquilo que se faz, pois pode-se pensar qualquer coisa. Com sarcasmo e serenidade, faz cair as máscaras da maldade de que nos vangloriamos, mostrando-nos que não somos assim tão “interessantes”. Sou-lhe, de fato, mais grato ainda por esse papel.
Elias Canetti, in A consciência das palavras

Nenhum comentário:

Postar um comentário