segunda-feira, 31 de julho de 2017

Quem matou Palomino Molero? (trecho)

Filhosdumagrandíssima ― balbuciou Lituma, sentindo que ia vomitar. ― O que fizeram com você, magrinho.
O rapaz estava ao mesmo tempo enforcado e enfiado na velha algarobeira, em uma posição tão absurda que mais parecia um espantalho ou um No Carnavalón escarrapachado que um cadáver. Antes ou depois de matá-lo haviam cortado seu corpo em tiras com uma crueldade sem limites: tinha o nariz e a boca cortados, coágulos de sangue ressequido, equimoses e cortes, queimaduras de cigarro, e, como se não fosse bastante, Lituma compreendeu que também haviam tentado capá-lo, porque os ovos pendiam até a entreperna. Estava descalço, despido da cintura para baixo, com uma camiseta em pedaços. Era jovem, magro, moreninho e ossudo. Na confusão de moscas que revoluteavam ao redor de sua cara reluziam seus cabelos pretos e crespos. As cabras do moleque remanchavam à volta, esgravatando os pedregulhos do descampado em busca de alimentos e Lituma pensou que a qualquer momento começariam a mordiscar os pés do cadáver.
Quem porra fez isto? ― balbuciou, contendo a náusea.
E eu sei? ― disse o moleque. ― Por que me diz palavrão, que culpa eu tenho? Agradeça por eu ter avisado.
Não é com você, moleque ― murmurou Lituma. Só estou praguejando porque parece mentira que haja no mundo gente tão perversa.
O moleque deve ter levado o susto de sua vida essa manhã, ao passar com suas cabras por este pedregal e topar com semelhante espetáculo. Tinha se portado como um cidadão exemplar, o moleque. Deixou o rebanho pastando pedras junto ao cadáver e correu a Talara para dar parte à polícia. Tinha mérito porque Talara estava no mínimo a uma hora a pé daqui. Lituma lembrou dessa carinha suada e a voz de assombro quando apareceu na porta do Posto:
Mataram um sujeito lá, no caminho de Lobitos. Se quiserem, levo vocês, mas agorinha mesmo. Deixei as cabras soltas e podem roubá-las.
Não tinha roubado nenhuma, felizmente; ao chegar, enquanto ainda não se recuperava do pavor que fora para ele ver o estado do morto, o guarda vira o moleque contando com os dedos o rebanho e o ouviu suspirar, aliviado: "Todinhas”.
Mas, pela Santíssima Virgem ― exclamou o taxista às suas costas. ― Mas, mas, que é isto?
No caminho, o moleque descrevera mais ou menos o que veriam, mas uma coisa era imaginá-lo, outra vê-lo e cheirá-la. Porque também fedia muitíssimo. Não era para menos, com esse sol que parecia perfurar pedras e crânios. Estaria se decompondo rapidamente.
Me ajuda a tirar ele daí, Dom?
Que remédio ― grunhiu o taxista, persignando-se. Cuspiu em direção à algarobeira. ― Se me tivessem dito para que o Ford ia servir, não o compraria nem de brincadeira.
Você e o Tenente abusam porque pensam que eu sou muito bonzinho.
Dom Jerônimo era o único taxista de Talara. Seu velho calhambeque, preto e grande como uma carroça funerária, podia passar quantas vezes quisesse pela cerca que separava o povoado da zona reservada, onde estavam os escritórios e as casas dos gringos da International Petroleum Company. O Tenente Silva e Lituma utilizavam o táxi toda vez que deviam fazer um trajeto longo demais para os cavalos e a bicicleta, únicos meios de transporte do Posto da Guarda Civil. O taxista resmungava e protestava toda vez que o chamavam, dizendo que o faziam perder dinheiro, apesar de que, nestes casos, o Tenente pagava a gasolina.
Espere, Dom Jerônimo, agora me lembro ― disse Lituma, quando já iam tirar o morto. ― Não podemos tocar nele até que o Juiz venha para o reconhecimento.
Meada: isso quer dizer que vou ter que fazer essa viagenzinha outra vez ― pigarreou o velho. ― Mas eu já lhe previno: o Juiz me paga a corrida ou vai procurar outro bobo.
E, quase imediatamente, se deu uma palmadinha na testa. Abrindo muito os olhos, aproximou a cara do cadáver.
Mas, claro, este eu conheço! ― exclamou.
Quem é?
Um desses aviadores que vieram para a Base Aérea na última leva ― animou-se a expressão do velho.
É ele. O piuraninho que cantava boleros.
Mario Vargas Llosa, in Quem matou Palomino Molero?

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