terça-feira, 20 de junho de 2017

Betúlia

A moça — esguia, linha “dançante”, sapatos de bico quadrado — dirigiu-se à livreira:
Ele me pediu que viesse ver uns livros. A senhora está informada?
Estou. Telefonou pedindo que separássemos todos os livros sobre Betúlia. Mas ele não vem escolher pessoalmente?
Coitado, não pode. Está estudando.
Estes livros também servem para estudo — a livreira sorriu.
É claro. Mas além disso está tomando providências, para não ser colhido de surpresa.
Surpresa? Pois já não foi escolhido?
Escolhido, foi. Não foi é convidado. Estamos aguardando a qualquer hora.
Ahn.
O presidente deu-lhe um tapinha no ombro e disse que precisava dele.
Precisava para quê?
Só pode ser para embaixador.
Em Betúlia?
Ele escreveu um artigo sobre ritos tribais em Betúlia. O presidente não perde os artigos dele. Se bem que ele preferisse ficar por aqui mesmo, num posto de responsabilidade. Há tantos. Me mostre os livros, por gentileza.
São esses. A pilha é grande, como vê.
Ótimo. Quanto mais volumes ele ler, mais habilitado estará para ser um grande embaixador em Betúlia, não é mesmo? Se bem que, para mim, não há nada como a observação direta, a vivência. Ele é inteligentíssimo, chega a Betúlia e domina logo a situação.
De qualquer maneira, os livros não lhe farão mal…
Lógico. Livro nunca é demais, ajuda a compor o ambiente de uma embaixada. Tem algum de estampas?
Muitos são ilustrados.
Eu vou selecionar as obras, mas queira começar pelos álbuns de estampas. A gente fica tendo uma ideia rápida dos lugares, das pessoas, do jeito de vida. O texto tem muita importância, é evidente, mas nessa época de viagens siderais… a senhora não acha?
Este álbum sobre Opopônax é muito curioso.
Opopônax? Eu sei, capital de Betúlia. Só esse nome dá vontade de ir lá. As outras cidades principais são… Bem, este ele não pode perder. Reserve um exemplar. E sobre tradições, artes, história da Betúlia, será que tem? Ótimo, ótimo. Dizem que eles trabalham em marfim que é um estouro. Esses livros sobre economia, a senhora guarda para ele mesmo examinar, negócio de minério, de rebanhos, eu não entendo. E daí, ele também precisa fazer um pouco de força, não é? Estou brincando. Trabalhar, para ele, é até um vício. Que horas são?
Doze menos cinco.
E hoje é sábado, preciso ir correndo a uma boutique da rua Constante Ramos! Não tenho tempo de ver mais nada, vamos fazer o seguinte. Selecione os que a senhora achar bons mesmo, que possam impressionar os senadores, e mande para ele, com a fatura. É mais prático. O álbum eu mesma levo. Depois ele paga tudo, sim?
Pois não, senhora embaixatriz.
Embaixatriz, eu? Por quê?
Não é a senhora dele?
Sou a secretária. Ela também anda ocupadíssima. Trabalho com ele há cinco anos e posso garantir que é um amor de homem, vai ser o melhor embaixador do mundo. E como não pode passar sem o meu trabalho, vai me levar também para Betúlia. Adeusinho, muito obrigada!
Carlos Drummond de Andrade, in A bolsa & a vida

Nenhum comentário:

Postar um comentário