terça-feira, 29 de novembro de 2016

Anywhere out of the world

Esta vida é um hospital em que cada doente é dominado pelo desejo de mudar de leito. Um desejaria sofrer em frente à estufa, outro julga que se restabeleceria junto à janela.
Por mim, tenho a impressão de que estaria sempre bem onde não estou, e essa questão de mudança é uma das que discuto constantemente com minha alma.
Alma, minha pobre alma enregelada, que diria se fôssemos morar em Lisboa? Lá, deve fazer calor, e ficarias esperta como uma lagartixa. É uma cidade à beira-mar. Dizem que é construída de mármore e que o povo odeia os vegetais, arrancando todas as árvores. É uma paisagem ao teu gosto, uma paisagem feita de luz e minerais, além do líquido para refrescá-los!
A alma não responde.
Se amas tanto o repouso, ante o espetáculo do movimento, queres ir morar na Holanda, essa terra abençoada? Talvez te divertisses nessa região cuja imagem tantas vezes admiraste nos museus. Que achas de Rotterdam, tu que aprecias as florestas de mastros e os navios atracados junto às casas?
Minha alma continua silenciosa.
Talvez a Batávia te sorrisse mais. Além disso, encontraríamos lá o espírito da Europa casado com a beleza tropical.
Nem uma palavra. Minha alma estaria morta?
Terás chegado a um tal estado de letargia que só estejas satisfeita com teu mal? Nesse caso, fujamos para os países que evocam a Morte. Assumo o compromisso, pobre alma! Arrumaremos as malas pra Tornéu. Ou vamos mais longe ainda, para os extremos confins do Báltico; mais longe ainda da vida, se for possível; instalemo-nos no polo. Lá, o sol apenas toca a terra obliquamente, e as lentas alternativas da luz e da noite suprimem a variedade e aumentam a monotonia, essa metade do nada. Lá, poderemos tomar longos banhos de trevas, ao mesmo tempo que, para divertir-nos, as auroras boreais nos enviarão de vez em quando os seus feixes róseos, como reflexos de um fogo de artifício do Inferno!
Finalmente, minha alma intervém e exclama com sabedoria:
Não importa onde! Não importa o lugar! O essencial é que seja fora deste mundo!
Charles Baudelaire, in Pequenos poemas em prosa

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