quarta-feira, 27 de julho de 2016

Armadilha da memória

Um dia eu estava andando de carro com meu amigo Carlos Rodrigues Brandão, em Pocinhos, por uma estrada de terra. Aí ele começou uma conversa mole sobre a memória. Disse-me: “Rubem, estou agora seguindo a seguinte filosofia: eu não possuo aquilo de que me esqueci. O que é que você acha disso?”. Pensei: Eu me esqueci da coisa que possuo. Se me esqueci dela é como se ela não existisse para mim. Não vou usá-la nem sentirei a sua falta. E concluí: “Está certo: eu não possuo aquilo de que me esqueci”. Aí a fala mole do Brandão ficou rápida e concluiu: “Você se esqueceu de que eu lhe devo R$200,00. Portanto, você não os possui mais. Vou dá-los para a Soninha comprar tijolos...”. Soninha era uma amiga comum que estava lutando para construir sua casa. E assim ele o fez. E eu não pude reclamar porque havia acabado de concordar que não possuo aquilo de que me esqueci... Eu havia me esquecido de que o Brandão me devia R$200,00.
Rubem Alves, in Ostra feliz não faz pérola

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