terça-feira, 31 de maio de 2016

Minha terra: poeirenta e terrivelmente seca

Eu tinha treze ou catorze anos quando saí pela primeira vez da província de Aragão. Convidado por amigos da família que passavam o verão em Vega de Pas, perto de Santander, no norte da Espanha, descobri maravilhado, atravessando o País Basco, uma paisagem nova, inesperada, totalmente antagônica à que eu conhecia até então. Vi nuvens, chuva, florestas assombradas pela bruma, musgo úmido nas pedras. Impressão deliciosa que nunca irá me abandonar. Sou um apaixonado pelo norte, o frio, a neve e as grandes torrentes das montanhas.
A terra do Baixo Aragão é fértil, mas poeirenta e terrivelmente seca. Podíamos passar um ano, ou até mesmo dois, sem ver nuvens ameaçadoras no céu impassível. Quando por acaso um cúmulo temerário despontava acima das montanhas, vizinhos, empregados de uma mercearia, vinham bater a nossa casa, sobre cujo telhado erguia-se a empena de um pequeno observatório. Dali, observavam por horas a fio a aproximação da nuvem e diziam, balançando tristemente a cabeça: “Vento sul. Vai passar longe”. Tinham razão. A nuvem se afastava sem agradecer à terra com uma única gota de chuva.
Num ano de seca angustiante, na aldeia vizinha de Castelserás, a população, padres à frente, organizou uma procissão – una rogativa – para implorar aos céus um aguaceiro. Nuvens escuras acumulavam-se nesse dia sobre a aldeia. A prece parecia quase desnecessária.
Desafortunadamente, as nuvens se dispersaram antes do fim da procissão, e o sol ardente reapareceu. Então os sacripantas que encontramos em todos os vilarejos se apoderaram da estátua da Virgem que puxava o cortejo e, atravessando uma ponte, atiraram-na no rio Guadalope.
Em minha aldeia, onde nasci em 22 de fevereiro de 1900, pode-se dizer que a Idade Média se estendeu até a Primeira Guerra Mundial. Sociedade isolada, estática, com as diferenças entre as classes bem demarcadas. O respeito e a subordinação do povo trabalhador aos senhores, os grandes proprietários, pareciam imutáveis, fortemente arraigados nos antigos costumes. A vida se desenrolava horizontalmente, sempre a mesma, organizada e ritmada pelos campanários da igreja do Pilar. Os sinos anunciavam as cerimônias religiosas (missas, vésperas, ângelus) e os acontecimentos da vida cotidiana com o dobre fúnebre conhecido como “toque de agonia”. Quando um morador do vilarejo chegava às portas da morte, um sino badalava langorosamente para ele: um sino grande, profundo e grave para o último embate de um adulto, um sino de bronze mais leve para a agonia de uma criança. Nos campos, nas trilhas, nas ruas, as pessoas paravam e se perguntavam: “Quem será que está morrendo?”.
Luis Buñuel, in Meu último suspiro

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