terça-feira, 29 de março de 2016

Os terroristas

Era um professor duro, exigente — e implacável. As provas eram feitas sem aviso prévio. Todos os trabalhos valiam nota e eram corrigidos segundo os critérios mais rigorosos. Resultado: no fim do ano quase todos os alunos estavam à beira da reprovação. As notas — que ele anotava cuidadosamente no livro de chamada — eram as mais baixas possíveis.
O que fazer? Reuniam-se todos os dias no bar em frente ao colégio para discutir a situação, mas nada lhes ocorria. Até que um deles teve uma ideia brilhante.
O livro de chamada. A solução estava ali: tinham de se apossar do livro de chamada e mudar as notas. Um 0 poderia ser transformado em 8. Um 1 poderia virar 7 (ou 10, dependendo do grau de ambição).
O problema era pegar o livro, que o professor não largava nunca — nem mesmo para ir ao banheiro. Aparentemente, só uma catástrofe poderia separá-los.
Recorreram, pois, à catástrofe. Um dos alunos telefonou do orelhão em frente ao colégio, avisando que havia um princípio de incêndio na casa do professor. Avisado, o pobre homem saiu correndo da sala de aula — deixando sobre a mesa o famigerado livro de presenças.
Acreditareis se eu disser que ninguém tocou no livro?
Ninguém tocou no livro. Os rapazes se olhavam, mas nenhum deles tomou a iniciativa de mudar as notas. Às vezes a consciência pesa mais que a ameaça da reprovação.
Moacyr Scliar, in Um país chamado infância

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