sexta-feira, 24 de julho de 2015

“Olho gordo”: uma pequena nota sobre a inveja, o medo e o ódio na televisão

Faz tempo que não escrevo nada sobre televisão. Meu livro Olho de Vidro, publicado em 2011 (indicado em 2012 ao Prêmio Jabuti), me fez perguntar por que as pessoas que assistem televisão em geral não o leram ( o livro teve duas edições, mas, segundo muitos, é muito complicado para quem está acostumado a ver televisão e não tem o hábito de ler...).
A resposta está dada. No Brasil a televisão substituiu os livros. Isso não quer dizer que quem vê televisão não lê livros, mas quer dizer que existe uma cultura em que a televisão tem um poder tão incrível que dispensa de outras experiências “intelectuais”.
Não se enganem, a televisão é uma experiência intelectual, uma experiência de conhecimento, só que empobrecida.
No livro eu falava da cultura brasileira da inveja. A televisão mexe com a nossa inveja. Por isso, usei a metáfora do “olho de vidro”. Não apenas porque essa metáfora explica o lugar da televisão como “prótese de conhecimento”, mas porque o olho de vidro tem a estrutura da inveja. A televisão é um “olho gordo” de vidro.

Nam June Paik. TV is Kitsch, 1996
TV is Kitsch, 1996, de Nam June Paik

A inveja é um tipo de desejo impotente. O invejoso é sempre impotente. Ele olha para quem ele inveja e se sente menor, daí a sua raiva, o seu rancor, o seu ressentimento. Ele gostaria de ser o outro, mas não é. A vida do invejoso é muito triste porque ele não pode fazer nada. Ele não pode ser outra pessoa, ele não pode ser melhor do que é. Mas ele está só delirando, porque ele poderia aprender a se desejar e ser uma pessoa diferente.
O telespectador é aquela pessoa que é orientada à inveja, não ao desejo. Qual a diferença entre uma coisa e outra? É que a inveja faz você imitar o outro enquanto no desejo você pode se inventar. O invejoso não quer ser uma pessoa singular. Em vez de olhar para seu corpo, sua roupa, seu trabalho, sua vida em geral como se fosse uma obra de arte a ser construída, ele se olha como um erro que só pode ser consertado por imitação de um modelo. É esse modelo que ele inveja. Então ele imita.
A imitação faz comprar. Comprar, aliás, já é um ato de imitação. O outro comprou e eu também compro. O outro usa e eu também uso. No extremo, o outro vê um filme, uma novela, e eu também vejo. Assim a pessoa se sente poderosa, fazendo a “coisa certa”, tendo vantagem. Chamei de “desejo de audiência” esse processo de imitação que é o mecanismo social da inveja.
A televisão tenta administrar os afetos das pessoas. A inveja é um afeto bem primitivo. Digo “afeto”, mas não sei se as pessoas entendem bem o que é isso. Um dia eu tento escrever mais sobre. Hoje, vou usar o termo sentimento, porque o sentimento todo mundo entende. Quero dizer com isso que a cada época a televisão administra os nossos sentimentos. A inveja é básica na televisão. É o pano de fundo, o chão, a sustentação da experiência que a gente tem com a TV. Mas hoje em dia outros sentimentos estão em jogo.
Veja o texto completo de Marcia Tiburi aqui.

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