terça-feira, 30 de setembro de 2014

O primeiro livro lido

Tive muita dificuldade em aprender a ler. Não me parecia lógico que a letra “m” se chamasse “éme” e, no entanto, com a vogal seguinte não se dissesse “éme” e sim “ma”. Era-me impossível ler assim. Por fim, quando cheguei ao Montessori, a professora não me ensinou os nomes mas sim os sons das consoantes. Assim pude ler o primeiro livro que encontrei numa arca poeirenta da arrecadação da casa. Estava descosido e incompleto, mas absorveu-me de uma forma tão intensa que o namorado da Sara, ao passar, deixou cair uma premonição aterradora: “Caramba!, este menino vai ser escritor”.
Dito por ele, que vivia de escrever, causou-me uma grande impressão. Passaram vários anos antes de saber que o livro era “As Mil e Uma Noites”. O conto de que mais gostei - um dos mais curtos e o mais simples que li — continuou a parecer-me o melhor para o resto da minha vida, embora agora não esteja seguro de que fosse lá que o li nem ninguém me tenha podido esclarecer. O conto é este: um pescador prometeu a uma vizinha oferecer-lhe o primeiro peixe que pescasse se ela lhe emprestasse um chumbo para a sua rede e, quando a mulher abriu o peixe para o frigir, tinha dentro um diamante do tamanho de uma amêndoa.
Gabriel García Márquez, in Viver para Contá-la

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