sábado, 19 de julho de 2014

Edifício estúpido e inútil


Numa das ruas, o cocheiro, um homem de meia-idade, de rosto bondoso e inteligente, voltou-se para Nekliudov indicando-lhe um enorme edifício em construção.
- Que grande casa eles estão a fazer! – exclamou com expressão de orgulho, como se contribuísse também para a obra.
Era, de fato, um edifício de grandes dimensões, num estilo barroco e complicado. Rodeava-o um sólido andaime feito de vigas de pinho, ligadas por aros de ferro, e um tapume de madeira isolava-o da rua. Sobre as superestruturas iam e vinham, como formigas, operários todos brancos de cal: uns colocavam pedras, outros talhavam-nas, e outros ainda subiam com grandes cargas ou desciam com padiolas e baldes já vazios.
Um senhor gordo, elegantemente vestido, que devia ser o arquiteto, estava junto do andaime e dava quaisquer instruções ao mestre-de-obras, que o escutava com atenção e deferência. Carros carregados e vazios entravam e saíam pelo portão.
“E pensar que toda gente está persuadida de fazer uma obra útil ao construir este palácio estúpido e inútil para qualquer pessoa também estúpida e inútil (para um desses que os roubam e arruínam), enquanto em suas casas as mulheres grávidas estão sobrecarregadas por uma lida brutal e seus filhos, entortando as pequenas pernas, sorriem com expressão senil a uma morte precoce pela fome”, pensou Nekliudov contemplando o edifício.
Leon Tolstoi, in Ressurreição

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