sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Minha lista de grandes escritores

Uma revista espanhola teve a ideia de pedir a uns quantos escritores que elaborassem a sua árvore genealógica literária, isto é, a que outros autores consideravam eles como avoengos seus, diretos ou indiretos, excluindo-se do inventado parentesco, obviamente, qualquer presunção de relações ou equivalências de mérito que a realidade, pelo menos no meu caso, logo se encarregaria de desmentir. Também se pedia que, em brevíssimas palavras, fosse dada a justificação dessa espécie de adoção ao contrário, em que era o ‘descendente’ a escolher o ‘ascendente’. A cada escritor consultado foi entregue o desenho de uma árvore com onze molduras dispersas pelos diferentes ramos, onde suponho que hão-de vir a aparecer os retratos dos autores escolhidos. A minha lista, com a respectiva fundamentação, foi esta: Luís de Camões, porque, como escrevi no ‘Ano da Morte de Ricardo Reis’, todos os caminhos portugueses a ele vão dar; Padre Antônio Vieira, porque a língua portuguesa nunca foi mais bela que quando ele a escreveu; Cervantes, porque sem ele a Península Ibérica seria uma casa sem telhado; Montaigne, porque não precisou de Freud para saber quem era; Voltaire, porque perdeu as ilusões sobre a humanidade e sobreviveu a isso; Raul Brandão, porque demonstrou que não é preciso ser-se gênio para escrever um livro genial, o ‘Húmus’; Fernando Pessoa, porque a porta por onde se chega a ele é a porta por onde se chega a Portugal; Kafka, porque provou que o homem é um coleóptero; Eça de Queiroz, porque ensinou a ironia aos portugueses; Jorge Luis Borges, porque inventou a literatura virtual; Gogol, porque contemplou a vida humana e achou-a triste.
José Saramago, in Cadernos de Lanzarote (1996)

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