quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Um nome qualquer

Encontraram-se depois de mais de dez anos:
- Afonso!
- Hermenegildo!
Abraçaram-se três vezes seguidas, como fazem todos os que não se veem há muito tempo:
- Lembra-se do Rogério?
- Lembro.
- Morreu a semana passada.
- Coitado.
Conversaram a mesma conversa que conversam os que não se veem há muito tempo:
- Que tens feito?
- Lutando.  E você?
- Levando a vida.
Quando deram por si, estavam tomando cafezinho em pé, como fazem sempre os que não se veem há muito tempo:
- Você está mais gordo.
- E você, mais magro.
Foram andando, parando, relembrando incidentes pitorescos, como fazem todos os que não se veem há muito tempo:
- E aquele mergulho no rio, atrás do internato, lembra-se?
- Se me lembro, quase você morre afogado.
- E foi você quem me salvou, nunca esqueci.
Pararam num ponto de ônibus pra se despedir, ficaram batendo papo mais de meia-hora, como fazem todos os que não se veem há muito tempo:
- Você casou?
- Casei. E você?
- Mais ou menos. Estou com uma zinha aí mas ela é casada.
- Você nunca quis nada com o casamento, hein, malandro?
- Com essa até que eu casava.
- Como ela é?
- Baixotinha, gordota, tem um sinalzinho no rosto, mas eu gosto dela assim mesmo.
Afonso ficou apreensivo:
- Como é o nome dela?
- Cláudia.
Afonso ficou mais curioso:
- Ela tem filhos?
- Dois. Um menino de quatro e uma menina de três.
Afonso só faltou pedir o retrato pra ver, mas não teve coragem. Apressou a despedida:
- Bem, tenho de ir andando, estou atrasadíssimo.
Tomou o ônibus, foi direto para casa. No caminho, foi pensando: "Cláudia... dois filhos... um menino de quatro... uma menina de três... baixotinha... gordota... um sinalzinho no rosto..." era muita coincidência. Quando entrou em casa, só faltou arrancar a porta. Lá estava a mulher no meio da sala, com os dois filhos, baixotinha, gordota, com um sorriso na cara deste tamanho:
- Chegou cedo hoje, hein, Afonso?
Ele estava tremendo de ponta a ponta, quando perguntou:
-- Diz depressa o nome de um homem.
- Como?
- Depressa, diz um nome de homem. Um nome qualquer.
Ela nem teve tempo de pensar:
- Hermenegildo.
Ele chegou a cambalear, foi preciso segurar no vão da porta:
- Quem diria, hein?
Sua mulher não entendia nada:
- Mas o que foi, Afonso?  Está sentindo alguma coisa?
Ele foi categórico:
- Estou sim.
- Está sentindo o quê?
Ele arreganhou os dentes:
- Estou sentindo ódio de mim mesmo, por ter salvo aquele desgraçado. Devia ter deixado ele morrer afogado.
Cláudia caiu de bruços e como caiu, ficou, inteiramente desacordada.
O médico disse que era normal.
Estava esperando o terceiro filho.
Leon Eliachar, in A mulher em flagrante 

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