segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Preparativos de uma morte anunciada

— Onofre, acabei de pegar teu exame. O médico disse que você vai morrer em uma semana.
— Hein?! O quê?!
— Você morre terça feira que vem. Dia 25. Dia do soldado.
— Mas... que coisa horrível!
— Horrível por quê? Melhor que morrer, sei lá, no dia do Índio. No dia da Secretária. No dia do Ginecologista.
— Meu Deus! Vou morrer em uma semana e você me conta assim, na bucha, sem me preparar?
— Deixa de ser infantil, Onofre. Você não é prato de bacalhau pra eu te preparar.
— Uma semana... Eu estou chocado! Se bem que...
— O quê?
— Quer saber? De certa forma foi bom saber logo. Assim aproveito o tempo que resta. Vou viajar, beber e comer tudo que eu tenho direito.
— Aí é que está, Onofre. Você vai ter que fazer dieta.
— Dieta?!
— Pra emagrecer. O caixão que a gente tem não é seu número. Com essa barriga, você não entra naquele ataúde de jeito nenhum. Só entra de lado. Você quer ser enterrado de lado, Onofre?
— Claro que não! Mas... não dá pra trocar de caixão?
— É da loja do teu primo. Fui do médico direto pra lá, e foi o que ele me deu. Ele só trabalha com modelagem única e a gente não tem dinheiro pra comprar outro.
— Mas não é justo! Tenho que fazer regime na última semana da minha vida?
— E ginástica. E cooper. Talvez até balé — que só regime não vai dar conta dos 15 quilos que você precisa perder. Já te matriculei numa academia.
— Mas...
— Outra coisa. Não esquece de começar a convidar as pessoas pro velório.
— Eu?!
— É, ué. Não é você que vai morrer? Era só o que me faltava... você é que vai morrer e eu é que tenho o trabalho... Aliás, por falar em trabalho, arranja um bico extra essa semana pra conseguir dinheiro — pra pagar a dívida do mercado.
— Peraí... regime, ginástica, e agora... trabalho extra? Eu estou doente, estou cansado!
— Deixa de frescura, Onofre. Daqui a uma semana você vai ter tempo de sobra pra descansar. E se eu não pagar essa dívida, o seu Joaquim disse que me mata.
— Ele disse isso?
— Disse. E pode me matar em menos de uma semana. E aí eu vou ser enterrada no seu caixão. E você fica sem dinheiro pra comprar outro caixão. E aí você não vai ser enterrado. Vai ficar por aí, pelas ruas, em processo de decomposição.
— Meu Deus!
— Mais uma coisa. Você vai ter que visitar a tia Augusta.
— Ah, não! Visitar a tia Augusta não! Estou brigado com ela, você sabe disso.
— Vai na quinta feira. Já marquei.
— Assim não dá! Eu, pensando que ia passar uma semana boa, tranquila, esperando pra morrer... mas nada. Já vi que vai ser um inferno. E se eu não for na casa da tia Augusta?
— Ela vai se sentir culpada por não ter feito as pazes antes de você morrer. E vai acabar morrendo de desgosto.
— E eu com isso? Não quero saber.
— Não quer saber? Acontece que está provado que uma pessoa leva, em média, uns seis meses pra morrer de desgosto.
— E daí?
— Daí que daqui a seis meses é o casamento da tua filha. E se a tua tia morrer, a gente vai ter que adiar o casamento. E se a gente adiar é capaz do noivo desistir de casar. Se ele desistir, tua filha vai ficar arrasada e pode sair por aí namorando o primeiro que aparecer na frente. E o primeiro que aparecer na frente pode ser um drogado. E tua filha pode virar uma drogada. E daí para o crime e para a prostituição é um passo. E daí ela pod...
— Chega! Eu vou visitar a tia Augusta!
— Ótimo.
— Que mais? O que mais você quer que eu faça nessa semana? Já tá perdida mesmo...
— Mais nada. Só cavar sua cova — pra economizar no coveiro, que coveiro está saindo pela hora da morte.
— Deixa eu anotar, senão esqueço... com tanta coisa... Cavar a cova.
— E não esquece de, no dia da tua morte, ir pro lugar do velório cedo. Pra morrer lá mesmo... pra gente também economizar no transporte do corpo. Vai de ônibus.
— Mas...
— De preferência atrás, agarrado no pára-choque, pra não pagar.
— É uma boa... No pára-choque. Só uma coisa. Uma dúvida.
— Fala.
— E se, por um acaso... eu não morrer?
— Tá maluco, Onofre? Depois desse trabalhão todo? Nem pensa nisso! Esquece essa possibilidade!
— É que de repente...
— De repente uma pinoia! Vê lá, hein, Onofre? Não vai me fazer a gracinha de aparecer no teu velório... vivo!
Elisa Palatnik

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