sábado, 27 de abril de 2013

O céu e o inferno

Cheguei a Bluefields, no litoral da Nicarágua, no dia seguinte a um ataque dos contras. Havia muitos mortos e feridos. Eu estava no hospital quando um dos sobreviventes do tiroteio, um garoto, despertou da anestesia: despertou sem braços, olhou o médico e pediu:
— Me mate.
Fiquei com um no nó estômago.
Naquela noite, noite atroz, o ar fervia de calor. Eu me estendi num terraço, sozinho, olhando o céu. Não longe dali, a música soava forte. Apesar da guerra, apesar de tudo, a cidade de Bluefields estava celebrando a festa tradicional do Paio de Mayo. A multidão dançava, jubilosa, ao redor da árvore cerimonial. Mas eu, estendido no terraço, não queria escutar a música nem queria escutar nada, e estava tentando não sentir, não recordar, não pensar: em nada, em nada de nada. E estava naquilo, espantando sons e tristezas e mosquitos, com os olhos pregados na noite alta, quando um menino de Bluefields, que eu não conhecia, estendeu-se ao meu lado e começou a olhar o céu, como eu, em silêncio.
Então, passou uma estrela cadente. Eu podia ter pedido um desejo; mas não lembrei.
O menino me explicou:
— Você sabe por que as estrelas caem? A culpa e de Deus. Deus gruda elas mal. Ele gruda as estrelas com cola de arroz.
Amanheci dançando.
Eduardo Galeano, in O livro dos abraços

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