terça-feira, 30 de abril de 2013

Metáfora: criação divina

"A metáfora é provavelmente a potência mais fértil que o homem possui. A sua eficiência chega a raiar os confins da taumaturgia e parece uma ferramenta de criação que Deus deixou esquecida dentro de uma das suas criaturas na ocasião em que a formou, como o cirurgião distraído deixa um instrumento no ventre do operado.
Todas as demais potências nos mantêm inscritos no interior do real, do que já é. O mais que podemos fazer é somar ou subtrair as coisas entre si. Só a metáfora nos facilita a evasão e cria entre as coisas reais recifes imaginários, floração de leves ilhas.
É verdadeiramente estranha a existência no homem desta atividade mental que consiste em substituir uma coisa por outra, não tanto no esforço de chegar à segunda como no intento de esquivar a primeira. A metáfora escamoteia um objeto mascarando-o por meio de outro, e não teria sentido se não víssemos nela um instinto que induz o homem a evitar as realidades.
Ao interrogar-se sobre qual poderia ser a origem da metáfora, um psicólogo recentemente descobriu, surpreendido, que uma das suas raízes se encontra no espírito do tabu. Houve uma época em que o medo foi a máxima inspiração humana, uma idade dominada pelo terror cósmico. Durante essa época, faz-se sentir a necessidade de evitar certas realidades que, por outro lado, são incontornáveis. O animal mais frequente no país, e do qual a alimentação depende, adquire um prestígio sagrado. Esta consagração traz consigo a ideia de que não se lhe pode tocar com as mãos. Que faz, então, para comer o índio Lilloet? - Agacha-se e cruza as mãos por baixo das nádegas. Assim já pode comer, porque as mãos por baixo das nádegas são metaforicamente dois pés. Há aqui um tropo de ação, uma metáfora elementar anterior à imagem verbal que tem origem no esforço por evitar a realidade.
E como a palavra para o homem primitivo é um pouco a coisa nomeada, sobrevém a exigência de não se nomear o objeto tremendo sobre o qual o "tabu" recaiu. Daí que esse objeto seja designado pelo nome de outra coisa, visado de forma larvar e sub-reptícia. Deste modo, o polinésio, que nada deve nomear do que pertence ao rei, quando vê arder os archotes do seu palácio-cabana, terá de dizer: "O raio arde nas nuvens do céu". Eis a elisão metafórica. Obtido sob esta forma a partir do tabu, o instrumento metafórico pode ser depois usado com os mais diversos fins. Um deles, o que predominou na poesia, era o de enobrecer o objeto real. A imagem similar era usada numa intenção decorativa, para adornar e revestir a realidade amada. Seria curioso inquirir se na nova inspiração poética - enquanto a metáfora se torna substância em vez de adorno - não se observará um insólito prevalecer da imagem que denigre, que, em lugar de enobrecer e realçar, rebaixa e humilha a pobre realidade. Li, há pouco tempo ainda, num poeta jovem que o raio é um metro de carpinteiro e as árvores despidas de folhas do Inverno, escovas que varrem o céu. A arma lírica vira-se contra as coisas naturais e fere-as ou assassina-as."
Ortega y Gasset, in A Desumanização da Arte

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