quinta-feira, 28 de junho de 2012

Excerto de As vinhas da Ira

As Vinhas da Ira

Os arrendatários baixavam outra vez os olhos. Que iremos fazer? Não podemos nos contentar com uma parte menor ainda das safras. Estamos na miséria. As crianças tão sempre com fome. Não temos roupas, nem nada. Se toda a vizinhança também não fosse assim, a gente até teria vergonha de ir à missa.
Afinal, os donos da terra desembuchavam. O sistema de arrendamento, de divisão de safra, não dava mais certo. Um homem só, guiando um trator, podia tomar o lugar de doze ou quatorze famílias inteiras. Pagava-se-lhes um salário pequeno e obtinha-se toda a safra. Era o que iam fazer. Não gostavam de ter que fazê-lo, mas que remédio? Os monstros, que eram os bancos, exigiam o seu tributo. E os monstros não podiam esperar mais.
Mas os senhores vão matar a terra com todo esse algodão.
Sim, a gente sabia disso. Mas arrancava bastante algodão antes que a terra morresse. Depois vendia a terra. Muitas famílias lá do Leste tavam com vontade de comprar um pedaço dessa terra.
Os arrendatários endireitavam-se, coléricos. Nosso avô tomou conta destas terras e ele teve que lutar com índios e expulsá-los daqui. E nossos pais nasceram aqui e tiveram que matar as cobras e arrancar as ervas daninhas. Depois, vinha um ano ruim, e eles tiveram que fazer empréstimos. E nós também nascemos aqui. E nossos filhos também nasceram aqui. E nós tivemos que pedir dinheiro emprestado. Depois o banco comprou as terras, mas nós ficamos e tivemos uma parte de nossas colheitas.
Oh, sim, nós sabemos disso. Mas a culpa não é nossa, é dos bancos. Um banco não é como um homem. Um banco é um monstro.
Tá certo, gritavam os arrendatários. Mas esta é a nossa terra. Nós a cultivamos, fizemos ela produzir. Nascemos aqui e queremos morrer aqui. Mesmo que não preste, ela é nossa. Ela é nossa, ouviu? Queremos morrer aqui quando chegar a nossa vez de morrer. É isto o que dá direito de propriedade, e não simples papéis, documentos escritos, cheios de números.
É pena, sentimos muito. Mas não temos a culpa. A culpa é dos bancos. E um banco, já sabe, um banco não é como um homem.
Sim , mas os bancos são dirigidos por homens.
Não, vocês estão enganados, completamente enganados. Um banco é muito diferente. Acontece que todos os que trabalham no banco detestam o que os bancos têm que fazer, mas eles obedecem, porque os bancos assim mandam. Um banco é mais que um simples homem, é o que lhes digo. É um monstro, sim senhor. Os homens fizeram os bancos, mas não os sabem controlar.
Os arrendatários clamavam: Nossos avós matavam índios, nossos pais matavam serpentes para ficar com as terras. Talvez a gente possa matar os bancos, eles são piores que os índios e que as serpentes. Talvez a gente possa lutar outra vez para ficar com as terras, lutar como lutaram nossos avós e nossos pais.
E aí eram os donos das terras que ficavam encolerizados.
Não, senhor. Vocês têm que sair daqui.
Mas isto é nosso, gritavam os arrendatários. Nós...
Não, senhor, isso é do banco, é do monstro do banco. Vocês tratem de ir embora.
Nós podemos pegar nas nossas armas, como nossos avós fizeram quando vinham os índios. Podemos, sim.
Não, agora é diferente. Primeiro vem o xerife, depois vêm os soldados, tropas. Vocês serão presos se insistirem em ficar, serão mortos se tentarem lutar para ficar. Agora é diferente; o monstro não é homem, mas pode tornar homem quando quiser.
John Steinbeck, in Vinhas da Ira. Tradução de Herbert Caro e Ernesto Vinhaes

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