quarta-feira, 30 de maio de 2012

Sobre os estoicos

- Os estoicos, que o senhor parodia, foram gente admirável, mas a sua doutrina estratificou-se há dois mil anos, e não se moveu nem um pingo para a frente, e não se moverá, porquanto não é prática, vital. Ela teve êxito somente com a minoria que passava a vida e saboreando toda espécie de doutrinas, mas a maioria não a compreendia. A doutrina que prega indiferença à riqueza, às comodidades da vida, o desprezo pelos sofrimentos e pela morte, é de todo incompreensível para a imensa maioria, pois essa jamais conheceu a riqueza nem aquelas comodidades; e desprezar os sofrimentos significaria para ela desprezar a própria vida, pois toda essência da vida humana consiste em sensações de fome, frio, ofensas, privações e um medo hamletiano da morte. Nessas sensações está a vida inteira: pode-se senti-la como um peso, odiá-la, mas não desprezar. Sim, repito, a doutrina dos estoicos não pode ter um futuro, e progridem, como o senhor vê desde o início dos tempos até hoje, a luta, a sensibilidade para a dor, a capacidade de responder a uma excitação...
Ivan Dmítritch perdeu de repente o fio dos pensamentos, interrompeu-se e esfregou a testa, aborrecido.
- Eu queria dizer uma coisa importante, mas fiquei confuso – disse ele -. – Do que estava falando? Sim! Digo, pois: algum dos estoicos se vendeu como escravo, a fim de resgatar um próximo. O senhor vê, isso quer dizer que também o estoico reagiu a uma excitação, porquanto, para um ato tão generoso como a destruição de si mesmo em prol de um próximo, é preciso ter um espírito indignado, aberto à comiseração. Eu esqueci aqui na prisão tudo o que aprendi, senão lembraria mais alguma coisa. E Cristo? Cristo respondia à realidade chorando, sorrindo, entristecendo-se, ficando furioso e até angustiando-se; não foi só com sorriso que ele caminhou ao encontro dos sofrimentos e não desprezou a morte, mas rezou no Jardim de Getsemani, pedindo para evitar o cálice.
Fala de Ivan Dmítritch (preso em um hospital psiquiátrico) a Andriéi Iefímitch (doutor desse hospital), in A enfermaria nº 6, de Anton Tchekhov

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