sábado, 26 de maio de 2012

Os Buracos Negros e a relatividade do tempo

Imagem: Google

Em um dos grandes relatos de viagens fantásticas, o escritor norte-americano Edgar Alan Poe conta a história de uma expedição marítima na costa norueguesa que se depara com um redemoinho gigante, conhecido como Maelstrom. Passado o terror inicial, o narrador proclama: "Pouco depois, fiquei possuído da mais aguçada curiosidade pelo próprio turbilhão. Sentia positivamente um desejo de explorar suas profundezas, mesmo ao preço do sacrifício que ia fazer; e meu principal pesar era que jamais poderia contar a meus amigos, na praia, os mistérios que iria conhecer".
Se Poe tivesse escrito seu conto 150 anos depois (o original foi publicado em 1841), talvez substituísse a exploração das entranhas do vórtice pela exploração das entranhas de um buraco negro. Fica difícil imaginar uma viagem fictícia mais fascinante do que a uma região em que nossas noções de espaço e tempo deixam de fazer sentido, de onde nada, nem a luz, escapa, um verdadeiro Maelstrom cósmico. Os buracos negros e suas ligações com objetos exóticos, conhecidos como "buracos de verme" - possíveis pontes de um ponto a outro no espaço e no tempo-, desafiam até a imaginação dos físicos.
Tudo começou em 1905, quando Einstein propôs a teoria da relatividade especial. A teoria demanda uma revisão das noções clássicas de tempo e espaço, firmemente arraigadas no nosso bom senso. O tempo flui sempre na mesma direção (o que chamamos de causalidade, a causa precede o efeito), indiferente a nós, os observadores. Já o espaço é a arena em que eventos acontecem, o palco onde a natureza encena seu drama, independentemente de nós, os espectadores.
       Einstein mostrou que a passagem do tempo e as medidas de distância não são quantidades absolutas. Dependem do movimento relativo entre observadores. Um relógio em movimento bate mais devagar do que um em repouso, e uma régua em movimento terá um comprimento menor do que o de outra em repouso. Não percebemos isso porque os fenômenos relativísticos só se manifestam a velocidades próximas à da luz (300 mil quilômetros por segundo). Mas, se um trem fosse capaz de andar a 180 mil quilômetros por hora, um relógio marcando a passagem de uma hora no trem marcaria uma hora e quinze minutos na estação.
Se a velocidade da luz fosse infinita, esses efeitos não existiriam. Mas ela é finita, e a dilatação temporal e a contração espacial são observadas rotineiramente em experimentos com partículas subatômicas. No mundo da relatividade, espaço e tempo não são absolutos, mas entrelaçados em um "espaço-tempo" de quatro dimensões, três para o espaço e uma para o tempo. Esse espaço-tempo é o verdadeiro palco em que a natureza encena seu drama. Nossa visão é bloqueada pelas minúsculas velocidades do nosso dia-a-dia.
Uma das limitações da relatividade especial é que ela só trata de movimentos com velocidades constantes. Em 1915, após anos de suor, Einstein propôs uma generalização da teoria, conhecida como teoria da relatividade geral. Ao tentar descrever movimentos acelerados, Einstein teve o que considerou a "visão mais feliz de minha vida": que um movimento acelerado pode imitar os efeitos da força gravitacional. O mesmo puxão que sentimos ao acelerar um carro pode ser provocado pela súbita colocação de uma enorme massa atrás do carro, que nos atrairia gravitacionalmente em sua direção.
Esse efeito é conhecido como "princípio de equivalência". Uma teoria da relatividade com aceleração é uma teoria da gravidade.
Einstein foi além. Mostrou que o efeito da atração gravitacional pode ser interpretado como a curvatura do espaço-tempo em torno de um objeto muito denso. Assim como uma bola de chumbo sobre um colchão deforma sua superfície, a presença de matéria deforma a curvatura do espaço. Objetos em movimento nesse espaço curvo terão suas trajetórias alteradas, tal como bolas de gude no colchão deformado. E, como o tempo e o espaço estão intimamente ligados em relatividade, a presença de matéria deforma a passagem do tempo. Em relatividade geral, o espaço-tempo torna-se deformável pela presença de matéria.
E os buracos negros? Uma estrela passa a vida lutando contra sua implosão devido à gravitação. Para isso, produz enormes quantidades de energia por meio da queima de sua própria matéria. Com o passar de bilhões de anos, a estrela devora seu interior e começa a implodir. Isso faz com que uma quantidade enorme de matéria ocupe um volume cada vez menor, criando um campo gravitacional cada vez mais intenso. A um certo ponto, nasce um buraco negro, um objeto com um campo gravitacional tão intenso que nem mesmo a luz escapa.
Como o Maelstrom de Poe, buracos negros têm uma espécie de borda, chamada "horizonte". Imagine que observamos nosso pior inimigo sendo atraído por um buraco negro. Sua espaçonave tem uma luz azul que pisca a intervalos fixos. Observamos que o intervalo entre os pulsos de luz vai aumentando e que a luz vai ficando mais vermelha à medida que a espaçonave se aproxima do horizonte. Ao passar pelo horizonte, o intervalo entre os pulsos se alarga indefinidamente, a luz avermelhada desaparece, com a espaçonave e o nosso inimigo. Para um observador externo, é impossível ver um objeto além do horizonte; o tempo (intervalo entre os pulsos) também pára. Para desvendarmos os mistérios dos buracos negros, precisamos explorar seu interior.
Nosso inimigo é imediatamente esmagado pelas forças gravitacionais do buraco negro, seu foguete vira espaguete. Mas o que aconteceria se pudéssemos viajar através de um buraco negro?
Ao entrarmos no horizonte, o tempo continuaria a fluir normalmente, mas sentiríamos um forte puxão na direção de seu centro, conhecido por "singularidade". Seria impossível desviarmos, assim como não podemos mudar a direção do tempo em nosso mundo. Pelas teorias atuais, nosso destino dependeria da estrela que formou o buraco negro. Se ela fosse exatamente esférica, nosso destino seria trágico: nos desintegraríamos ao chegarmos na singularidade central. Mas, se a estrela não fosse exatamente esférica, se estivesse em rotação (e a maioria dos objetos astrofísicos está em rotação), a singularidade não seria um ponto esmagador, mas um túnel, uma espécie de passagem. Para onde?
Essas passagens no espaço-tempo são conhecidas como "pontes de Einstein-Rosen". Em especulações mais ambiciosas, essas pontes terminam no oposto dos buracos negros, os buracos brancos, que vomitam matéria no espaço, talvez até em outro Universo. Quando essas pontes ligam pontos diferentes no nosso Universo, são conhecidas como "buracos de verme", passagens a pontos diferentes, no espaço e no tempo. Certos buracos negros podem conter um número enorme de buracos de verme, conectando o mesmo ponto do espaço a vários outros. Em princípio, é possível escolher um caminho que nos leve ao mesmo ponto no espaço, mas a outro instante do tempo, seja no passado ou no futuro.
A relatividade geral permite, em princípio, a existência de máquinas do tempo! Mas com uma limitação. Essas gargantas cósmicas são extremamente instáveis e se fecham rapidamente. Para mantê-las abertas, é necessária uma espécie de matéria capaz de produzir pressões negativas, o oposto da matéria comum. Infelizmente, não temos a menor ideia de como produzir tal matéria. Mesmo que essas passagens existam, a possibilidade de que algum dia nós iremos passear através do tempo por intermédio de buracos de verme é muito remota. No meio tempo, podemos seguir o brilhante exemplo de Poe e usar a nossa imaginação.
Marcelo Gleiser, especial para a Folha

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