sábado, 19 de maio de 2012

Crônica da cidade de Caracas

Preciso de alguém que me escutei — gritava. — Dizem sempre que e para eu voltar amanha! — gritava. Jogou a camisa fora. Depois, as meias e os sapatos. Jose Manuel Pereira estava parado na marquise de um décimo-oitavo andar de um edifício em Caracas.
Os policiais quiseram agarrá-lo e não conseguiram. Uma psicóloga falou
com ele da janela mais próxima. Depois, um sacerdote levou a ele a palavra de Deus. — Não quero mais promessas! — gritava Jose Manuel. Dos janelões do restaurante da Torre Sul, viam Manuel em pé na marquise, com as mãos pregadas na parede. Era a hora do almoço, e este acabou sendo o tema de conversa em todas as mesas.
Lá embaixo, na rua, tinha se juntado uma multidão.
Passaram-se seis horas.
No fim, as pessoas estavam cansadas.
— Decida-se de uma vez — diziam as pessoas —. Que se jogue de uma vez e pronto! — pensavam.
Os bombeiros aproximaram uma corda. No começo, ele não deu confiança. Mas finalmente esticou uma das mãos, e depois outra, e agarrado na
corda deslizou até o décimo-sexto andar. Então tentou entrar pela janela aberta e escorregou e despencou no vazio. Ao bater no chão, o corpo fez um ruído de bomba que explode.
Então as pessoas foram embora, e foram embora os vendedores de sorvete e de cachorro-quente e os vendedores de cerveja e de refrigerantes em lata.
Eduardo Galeano, in O livro dos abraços

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