quarta-feira, 28 de março de 2012

Os Navios do Pireu - capítulo 154

Há de lembrar-se, disse-me o alienista, aquele famoso maníaco ateniense, que supunha que todos os navios entrados no Pireu eram de sua propriedade. Não passava de um pobretão, que talvez não tivesse, para dormir, a cuba de Diógenes; mas a posse imaginária dos navios valia por todas as dracmas da Hélade. Ora bem, há em todos nós um maníaco de Atenas. E quem jurar que não possuiu alguma vez, mentalmente, dois ou três patachos, pelo menos, pode crer que jura falso.
- Também o senhor? Perguntei-lhe.
- Também eu.
- Também eu?
- Também o senhor; e o seu criado, não menos, se é seu criado esse homem que ali está sacudindo os tapetes à janela.
De fato, era um dos meus criados que batia os tapetes, enquanto nós falávamos no jardim, ao lado. O alienista notou que ele escancarara as janelas todas desde longo tempo, que alçara as cortinas, que devassara o mais possível a sala, ricamente alfaiada, para que vissem de fora, e concluiu: - Este seu criado tem a mania do ateniense crê: que os navios são dele; uma hora de ilusão que lhe dá a maior felicidade da terra.
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas

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