sábado, 28 de janeiro de 2012

A Saga de Os Índios Tabajaras: a fantástica trajetória ao estrelato musical internacional de dois índios brasileiros (ou Brasil: um país sem memória)*



A trajetória dos Índios Tabajaras dificilmente encontrará paralelo com qualquer outra, vindo de onde vieram e alcançando, no chamado mundo civilizado, o que alcançaram. Tudo pareceria a criação de um delirante ficcionista, não fosse a mais concreta realidade.
Primeiro, por suas origens. São índios brasileiros autênticos, da raça tupi-tabajara, nascidos na remota e agreste serra de Ibiapaba, dentro do então isolado município cearense de Tianguá, na divisa com o Piauí.
Na língua tupi, receberam os nomes de Mussaperê e Herundy, que significam O Terceiro e O Quarto, pois estavam nessa ordem de nascimento dos filhos do cacique Ubajara, ou Senhor das Águas, ao todo trinta e quatro irmãos.
Levados com a família pelo tenente Hildebrando Moreira Lima para a serra do Cariri, recebem dele nomes de branco: Antenor Moreira Lima (Mussaperê) e Natalício Moreira Lima (Herundy). Ouvindo seu canto em tupi, já que não falavam o português, o tenente reconhece neles qualidades para eventualmente tentar a sorte no sul do Brasil.
Do Cariri, em 1933, partem caminhando a pé, com o sonho de chegarem ao Rio de Janeiro, então a capital do Brasil, a milhares de quilômetros de distância. São nessa ocasião dezesseis índios, os pais e quatorze filhos. As dificuldades durante a marcha são imensas. Chegam primeiramente a Pernambuco, depois a Alagoas e à Bahia. Numa feira do Nordeste, compram uma velha viola e vão aprendendo os primeiros acordes sozinhos, como podiam. Mesmo assim tem de trocá-la, num momento de necessidade, por uma cuia de feijão.
Na capital baiana, Salvador, conseguem receber a proteção do governador, que lhes fornece passagens gratuitas para o Rio de Janeiro, onde chegam no início de 1937. Mais de três anos já se tinham transcorrido desde a decisão de conhecer a Cidade Maravilhosa.
Desembarcaram do navio Almirante Jaceguai e, devido a uma reportagem de jornal dando notícia da odisséia, são acolhidos pelo Albergue Leão XIII. Mussaperê e Herundy, dedilhando a viola e o violão e entoando cantos indígenas, mas com roupas de branco, passam logo a se apresentar nas feiras-livres, até que são levados para a Casa de Caboclo, um teatrinho voltado para a cultura regional brasileira. Não foram, porém, bem sucedidos, talvez porque procurassem negar que eram índios, não obstante o aspecto físico não deixar nenhuma dúvida sobre sua origem.
Além disso, quase nada falavam do português, por conseguinte analfabetos, acima de tudo amedrontados, porque muito ingenuamente, acreditaram em alguém que lhes disse que, no Rio de Janeiro, caso descobrissem que eram índios, seriam imediatamente mortos! Demoraram, por isso, mais tempo para se adaptarem aos costumes da cidade grande.
Outra oportunidade apareceria através de um contrato oferecido pelo apresentador radiofônico Paulo Roberto, para cantarem na Rádio Cruzeiro do Sul, do Rio de Janeiro, em 1942, com a condição expressa de fazerem publicidade de sua verdadeira origem, um fator positivo de interesse e não negativo como julgavam. Os Irmãos Tabajara são dois bugres... fazendo sucesso no rádio carioca. São interessantíssimos no gênero que aprenderam naturalmente, quando não pensavam em cantar no rádio. Artistas por índole, dedilham magistralmente a viola e o violão, arrancando das cordas efeitos de grande beleza e emotividade - publicava a revista Carioca, de 25.7.1942.
Passam a atuar também nos cassinos da Urca e da Pampulha, em Belo Horizonte. Em 1944, vão a São Paulo para, em seguida, empreenderem uma longa temporada por toda a América Latina, que se estenderá até 1949. Começam pela Argentina, onde o sucesso foi grande e depois rumam para o Chile, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Cuba e México. Às vezes só ganhavam o suficiente para a alimentação e o prosseguimento da viagem.
Mussaperê já vinha se interessando pelos autores clássicos: Beethoven, Bach, Litzt, Mozart e outros grandes mestres. Quando chegam ao México ainda só sabiam tocar de ouvido, sem nenhum conhecimento teórico musical. Num espetáculo, são apresentados pelo ator mexicano Ricardo Montalbán como "analfabetos musicais", um modo peculiar encontrado para dizer que, apesar disso, tocavam bem, mas que os acabou instigando a aprender música.
Mussaperê volta para Caracas e toma lições com Francisco Christancho, maestro da sinfônica da capital venezuelana, e prossegue seus estudos no Brasil. Herundy, por sua vez, volta a Buenos Aires, onde compra uma casa, e também passa a se dedicar ao estudo da música e do canto.
Dois anos depois, reúnem-se novamente e partem para uma excursão à Europa. A música clássica passa então a predominar em seu repertório. Tornam-se respeitados em vários países como intérpretes de Tchaikovsky, Sibelius, Targa, Falla, Villa-Lobos, Chopin e outros. As adaptações instrumentais são feitas por Mussaperê, que as passa para o irmão. Incluem também em seus espetáculos músicas folclóricas européias, cantando-as nos diversos idiomas, sempre com os maiores aplausos do público e a melhor crítica, a ponto de terem a agenda tão cheia de compromissos que têm de recusar muitos convites.
Foi uma demorada excursão que terminaria em Madri, onde o êxito não foi menor. No retorno ao Brasil, no entanto, sentiram que não passavam de uns ilustres desconhecidos e que a música que faziam não correspondia ao interesse das gravadoras e das emissoras. É quando fazem três discos na gravadora Continental, lançados em 1953/54: Tambor Índio/Acara Cary (16.869), Pássaro Campana/Fiesta Linda (16.913) e Te Besaré/Te Quiero Mucho Más (16.972).
Cientes de que santo de casa não faz milagre, como diz o ditado, partem, em 1954, para uma nova excursão pelo exterior, a fim de se exibirem inicialmente no Rádio City de Nova Iorque, precedida de uma pequena temporada em Cuba. Gravam, em 1957, na RCA Victor americana, um LP chamado Sweet and Savage (Doce e Selvagem), no qual incluem o bolero Maria Helena, de Lorenzo Barcelata, melodias brasileiras e outros standars latinos, que todavia passa despercebido.
Voltam ao Brasil, encetando nova tentativa de penetrar no mundo artístico de sua terra. Não obtendo a mesma aceitação do exterior, resolvem encerrar as atividades artísticas. Com as economias feitas, efetuam a compra de uma propriedade rural na localidade de Araruama, distante cerca de cem quilômetros do Rio de Janeiro, com mais da metade da área coberta por mata virgem. Com a maioria dos trinta e quatro irmãos, fazem da agricultura seu novo meio de existência, procurando reproduzir a vida tribal de sua infância no contato com a natureza.
Estavam nessa vida anônima e calma, quando a mão do destino começou a agir. No verão de 1963, um produtor da Rádio WNEW, de Nova Iorque, para fazer o fundo musical de um programa humorístico, procura na discoteca da emissora uma música instrumental qualquer. Experimenta daqui e dali e, por acaso, puxa da prateleira justamente o LP Sweet and Savage, encontrando logo na primeira faixa em Maria Helena, o que estava querendo.
Assim, diariamente, o fox Maria Helena foi sendo tocado nesse programa de grande audiência. Não tardaria muito para que muitos ouvintes fossem se encantando e passassem a indagar quem eram aqueles grandes instrumentistas e como poderiam adquirir o disco.
Esses pedidos eram encaminhados à R.C.A. Victor, que, dado o volume das cartas, mandou editar um compacto simples, que, para sua surpresa, começou a ser vendido em todos os Estados Unidos em números impressionantes, a ponto de alcançar o 4º lugar no hit parade! Daí para o relançamento do Sweet and Savage, aquele de 1957, foi um passo. Resultado: 2º lugar entre os estéreos e 4º lugar entre os monos no ano de 1963!
Os executivos da R.C.A. Victor, diante de fatos tão inacreditáveis, comunicaram-se com sua filial do Rio de Janeiro, com a ordem expressa de que aqueles índios fossem localizados e embarcados imediatamente para Nova Iorque, pois queriam produzir com eles novos discos.
Encontrá-los, porém não foi nada fácil. Ninguém sabia onde tinham se escondido. Por fim, são encontrados no seu retirado sítio de Araruama, às margens da lagoa do mesmo nome.
- Pensávamos que fosse brincadeira. Só acreditamos mesmo quando recebemos a passagem de ida-e-volta e ajuda de custo para seguir com destino a Nova Iorque com tudo pago... Ficamos hospedados nos melhores hotéis e só não gostamos mesmo foi do tal caviar servido todos os dias - contava Mussaperê.
Em apenas trinta e seis dias, gravam em Nova Iorque dois LPs e dois compactos, com destaque especial para Moonlight and Shadows, Solamente Una Vez e Always In My Heart, tendo esta última vendido rapidamente 200 mil cópias e ido para o 3º lugar nas paradas.
Os convites para se apresentarem por todos os Estados Unidos não cessam de chegar, assim como para a Europa e o Japão, onde também se tornam ídolos. Em muitos concertos são acompanhados por orquestras filarmônicas. No início dos anos 70, já estão com 48 LPs gravados e oito milhões de cópias vendidas.
Tudo parece mesmo criação de algum delirante ficcionista, mas é a vida real e fantástica de dois pobres índios, que de uma aldeia perdida numa serra brasileira, um dia iniciaram sua jornada, rumo ao sucesso internacional, caminhando a pé.
O texto acima não representa a biografia completa do artista, mas sim, partes importantes de sua vida e carreira. 

Fonte: www.revivendomusicas.com.br (*título criado pelo blogueiro)


2 comentários:

  1. Obrigado, Dias Júnior. Tomei conhecimento da história desses autênticos brasileiros no programa Sr. Brasil, com Rolando Boldrin, e fiquei fascinado. Alô, cineastas desse país varonil, que belo enredo para um filme. Olá, escritores biógrafos: quer argumento melhor para um livro?

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