segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Música de intervenção

Como disse Nietzsche, “a vida sem música é simplesmente um erro, uma tarefa cansativa, um exílio”. A música mantém nossos sentidos despertos, nos leva a intervir no mundo. Música de intervenção. Eis o que me vem em mente ao finalizar a audição de Isam, nova criação do carioca Amon Tobin, obra que escolhi para inaugurar essa fase do blog com uma provocação à forma musical, como ela é apresentada e composta. 
O disco soa uma revisão do que se entende de futurismo musical, arrisco exagerar. Ou como conceitua o próprio Amon Tobin: um mix de psicodelia com ficção científica.
A obra vai além do formato álbum, expansível ao universo das artes gráficas, plásticas e digitais. A partir do livro Control Over Nature que é vendido junto ao disco, com imagens de esculturas de insetos da artista inglesa Tessa Farmer, até o show, uma verdadeira instalação multimídia, com técnicas avançadas de animação e projeções em 3D. É “o concerto do futuro, hoje”, sentenciou o site Gizmodo.
Faz tempo, há precisos 12 anos, que Amon Tobin busca as trilhas da recriação fazendo de sua principal atividade a expansão das áreas da liberdade autoral. Assim, instrumenta o futuro com ferramentas do presente. Antes processava seus discos de vinil de beebop, cool jazz, samba, bossa nova, funk e hip hop por uma engenhoca chamada "mutator" plugada aos seus toca-discos, samplers e computador. Hoje extrapola sons em ruídos através do Haken Continuum, instrumento que responde ao toque manual com projeções em três dimensões. A obsessão de Tobin é reinventar a tradição musical com uma alucinada bricolagem de gêneros, conceitos e expressões, criando um enigma ainda a ser desvendado.
Drum ‘n’ jazz, blues psicodélico, breakbeat, foram algumas das muitas tentativas para definir a arquitetura de sons, texturas e polirritmias reconstruídas a cada novo disco de Amon Tobin. Foi assim com Adventures in Foam (1996), Bricolage (1997), Permutation (1988) e Supermodified (2000).
Isam, nono álbum, vamos assim dizer, da carreira deste carioca-londrino, é o ápice de uma odisséia futurista-musical que começou com Fooley Room (2007). Um trabalho dedicado a concepção de sons absolutamente digitalizados. Mesmo distante dos fatores analógicos, Amon Tobin pôs as mãos na teoria do caos, levou-a ao mundo dos jogos e trilhas sonoras abstratas para filmes.
Em Isam, as forças da realidade se impõem sobre o mundo onírico. Se há um resquício melódico na faixa de abertura “Jorneyman”, ele se desfaz em atonalidades na canção de ninar Bedtime Stories. O álbum tem uma narrativa que ganha uma forma labiríntica. Não se sabe mais o que é melodia e o que é ruído daí para frente: um toque flamenco se transforma no arranhar de um berimbau em “Mass & Spring”, o vocal de Tobin soa como voz feminina em “Kitty Cat” e “Wooden Toy”, em meio a uma escultura sonora que sugere uma nova imagem, um novo lugar a cada conjunção de sons. Uma deriva situacionista.
São as dissonâncias de Tobin, não confundir com o velho e bom mestre das harmonias dissonantes, o maestro Jobim. Ao contrário de seus mestres Enio Morricone e Lalo Schifrin, que deram vida a sons inspirados por imagens, Amon Tobin gera imagens na tela do inconsciente a partir de sua particular regência caótica de sons.
Carlos Freitas, in revistapiaui.estadao.com.br

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