sexta-feira, 20 de maio de 2011

Depoimento de Braulio Tavares



De uma viagem a Mossoró guardei como lembrança o livro Dez Cordéis num Cordel Só do poeta Antonio Francisco. Como o nome indica, são dez folhetos que haviam saído em separado e que o poeta juntou neste volume (Ed. Queima Bucha, Mossoró, 2003). Poeta de verbo fluente e ótimo recitador, Antonio Francisco tem outras obras publicadas, mas esta coletânea dá uma ótima medida de sua imaginação e de suas virtudes no trato com a palavra.

A maioria dos poemas deste livro têm uma visão crítica do mundo de hoje com seu materialismo, egocentrismo, apego ao dinheiro e desprezo ao meio ambiente. O poeta imagina diversas circunstâncias fantásticas em que o seu narrador é transportado para um ambiente que serve de espelho deformado do nosso mundo, ou então serve de Utopia às avessas que deixa à mostra os nossos erros. Em “Meu Sonho”, é um mundo onírico, voltado para o trabalho e a educação: “As crianças daqui brincam / com paquímetro de aço puro, / esquadro, régua, compasso, / martelo de ferro duro / são brinquedos da infância / e ganha pão do seu futuro”. Em “Do Outro Lado do Véu”, é uma nave espacial que pega o narrador no roçado e o transporta para um lugar remoto onde se extraem, das almas humanas, suas emoções boas ou más, que servem de matéria-prima para os fenômenos da Natureza: “Com dez gramas de orgulho / e trinta de vaidade / toda criança aqui faz / uma grande tempestade / capaz de riscar do mapa / num minuto uma cidade.
Antonio Francisco tem uma enorme fluência de estilo, é um daqueles poetas que, sem forçar a mão, parecem rimar e metrificar espontaneamente. O que não é tão freqüente quanto parece, no mundo do cordel. Uma coisa que se encontra muito no cordel é uma sextilha onde a terceira rima parece enfiada “na marra”, como se somente ao chegar no fim da estrofe o poeta percebesse que a última linha precisa rimar com a segunda e a quarta; aí aparece uma palavra caída de paraquedas somente para fechar a sextilha. Nos versos de Antonio Francisco, isto raramente, ou nunca, acontece.
“A Oitava Maravilha” é a história divertida do deus mitológico Cafuné, que escavou sozinho o leito do Rio São Francisco. “A Arca de Noé” é uma alegoria do desmatamento do Brasil, comparando-o com a arca do patriarca bíblico, que se distraiu e levou para dentro dela um casal de cupins. Em “Os Sete Constituintes”, o narrador dorme em cima de uma árvore e testemunha às escondidas um encontro de diversos animais (o burro, o morcego, o rato, a cobra, etc.) que se queixam da brutalidade e da ignorância do Homem: “O morcego abriu as asas / deu uma grande risada / e disse: Eu sou o único / que não pode dizer nada / porque o Homem pra nós / tem sido até camarada. // Constrói castelos enormes / com torre, sino e altar / põe cerâmica e azulejos / e dão pra gente morar / e deixam milhares deles / nas ruas, sem ter um lar”. É uma voz nova e vigorosa, na tradição crítica e satírica do cordel clássico. 

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